ATROPELAMENTO MORTAL
Os meus Pais, no pós Grande-Guerra, decidiram abalar de Santiago do Cacém e rumar a Lisboa.
Teria eu, naquela altura, 3 ou 4 anos de idade.
A minha Mãe terá lá voltado seguramente várias vezes depois disso, mas não tenho qualquer memória disso.
Conto isto para significar, em poucas palavras, que, infelizmente, não tenho a mínima lembrança dos meus Avós Maternos.
O pouco que sei é apenas o resultado dos relatos da minha Mãe, que me falava muitas vezes dos Pais dela.
A minha Mãe adorava o Pai dela (meu Avô Materno), por quem nutria uma admiração quase sem limites.
Era pequenino de corpo mas enorme de espírito.
Foi co-proprietário de dois talhos em Santiago do Cacém e, segundo a minha Mãe, era chamado para tratar o gado doente.
Não era veterinário, mas, pelos vistos, seria um autodidata, experimentado no tratamento dos animais.
Parece que gostava muito de letras e que terá mesmo escrito vários artigos para o jornal da localidade: ando há anos a pensar ir a Santiago bisbilhotar a Biblioteca local e ver se encontro lá algo dele.
Quanto à minha Avó Materna, presumo que se terá empenhado na educação da minha Mãe, pois esta, sendo menina da Vila, sabia costurar, tricotar, cozinhar, enfim, sabia tudo o que necessário era, naqueles recuados tempos, para uma excelente dona de casa.
Por outro lado, nos longos serões alentejanos, a minha Mãe ouviu e fixou muitas histórias, lendas e ditos que circulavam, de boa em boca, desde tempos imemoriais, entre todas aquelas honestas criaturas.
Por isso, nos serões de Lisboa, à sombra das árvores de fruta do quintal, no verão, ou, no inverno, à roda da lareira, a minha Mãe desfiava-nos, a mim e ao meu irmão Jacinto, as histórias de encantar, envolvendo quase sempre príncipes e princesas, as histórias das almas de outro mundo, quase sempre arrepiantes, e tudo o mais que, na sua juventude, colhera junto das simpáticas almas alentejanas da Vila (hoje cidade) de Santiago do Cacém.
Há anos, fui com a Mulher e os Filhos a Santiago do Cacém, ao casamento de um dos nossos Primos.
Ficámos alojados em casa de duas simpáticas senhoras Idosas, que, tendo vivido perto desde sempre com a minha Avó Materna, me deram, pela primeira vez, uma ideia de como era ela: Viraram-se para a minha Filha Leonor Maria e, encantadas, não se fartaram de garantir que esta minha Filha era exactamente como a minha referida Avó.
Fiquei, assim, com um bosquejo de como seria esta minha Avó Materna.
Do meu Avô Materno guardo uma fotografia que lhe tiraram, já no ocaso da vida, de pé, de bengala no braço dobrado, chapéu na cabeça e barba comprida: era, de facto, pequenino de corpo.
Morreu, vítima de doença, no Hospital da Vila.
Quanto à minha Avó Materna - contou-me a minha Mãe -, sendo surda, morreu ao atravessar uma das ruas da Vila (hoje Cidade), atropelada por uma carroça que por ali circulava.
Os restos mortais de ambos repousam no Castelo da Vila, em cujo interior está o cemitério concelhio.
Tenho, ainda hoje, uma pena imensa de não os ter conhecido.
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